Lei Caó faz 35 anos em janeiro e coloca à cena a urgência de ainda se avançar contra a injúria racial e o preconceito
*Por Juliana Kaiser
Já se passaram 34 anos desde a publicação da Lei de Número 7.716, que deu início a uma série de movimentos contra o racismo e a injúria racial. De autoria do deputado Carlos Alberto Caó, um jornalista e militante de questões relacionadas ao povo preto, ela foi a primeira a enquadrar as ações como criminosas, além de inafiançáveis e imprescritíveis. Mas, apesar dos avanços que foram alcançados a partir desse grande passo, importante para a responsabilização dos criminosos, os registros ainda fazem parte da realidade atual, com uma série de casos no país, num movimento crescente.
No Rio de Janeiro, por exemplo, dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revelam que foram 1.902 registros de injúria racial em 2022, o que corresponde a 17,30% do total de casos no país. O Sul do Brasil, com os estados de Santa Catarina e Paraná, ocupa a segunda posição do ranking, com 1.545 e 1.458 casos, respectivamente, revelando a necessidade de medidas que ainda possam avançar no aprofundamento da temática e na manutenção de soluções que garantam os direitos de quem tanto sofre com o preconceito. Os números do Anuário do FBSP apontam ainda que a população LGBTQIAP+ é uma das que mais sofre com os crimes de racismo motivados por homofobia ou transfobia. Em 2022 foram 488 casos registrados no país, enquanto eram 326, no ano anterior.
Informações do estudo “Racismo e Injúria Racial Praticados nas Redes Sociais”, elaborado pela Faculdade Baiana de Direito com a parceria do portal jurídico Jusbrasil e do PNUD, mostram que as mulheres representam cerca de 60% das vítimas dos crimes julgados em segunda instância no país, enquanto os homens correspondem a 18,29%; e 23,17% não têm seu gênero identificado. As agressões, na maior parte das vezes, vêm do público masculino, que tem 55,56% nos registros, enquanto as mulheres correspondem a 40,74%.
É preciso trilhar um caminho de educação antirracista, orientação, mas principalmente cobrança pelo cumprimento das medidas que devem ser aplicadas aos autores dos crimes. Falamos muito sobre transformação social, mas na prática ainda estamos longe de alcançar a sonhada igualdade, que tem sido cada vez mais alvo das discussões e que, graças à militância da nossa gente, a luta por voz e reconhecimento, tem se tornado uma temática que já faz parte da lista de prioridades de organizações, órgãos públicos e privados.
Mesmo com a dificuldade para conquistar aquilo que já deveria ser nosso por direito há tempos, ainda existem pessoas que minimizam o assunto, desfrutando de privilégios brancos e querendo uma “falsa igualdade”, que em nada colabora com a evolução de nossa história. Em um país onde a mão de obra escrava foi a responsável por boa parte de sua vivência, as tentativas de apagar o passado não podem esconder os traços que perpetuam até os dias atuais.
Cabe ressaltar ainda que o medo de não ser ouvido, a falta de acolhimento em algumas instituições de segurança, além da do pouco estímulo às denúncias, são responsáveis por em muitos casos não levarem adiante boa parte das situações vivenciadas por quem ainda sofre com os temores que impactam mente, emocional e até mesmo o físico.
Não podemos nos calar! É sempre prioritário, urgente e importante resistir e existir, para sobreviver e se manter de pé, ecoando o legado de Caó, que ainda lutou para mudar a Lei Afonso Arinos, que tratava a discriminação racial como contravenção. Apesar de ter falecido aos 76 anos, em fevereiro de 2018, sua memória permanece viva em nós, transformando e garantindo direitos de um povo que sofre todos os dias por ser quem é.
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